Espero.
Espero que as minhas palavras estejam à altura da homenagem que vos quero prestar.
Morreu Agostinho Nunes Coelho. Nasceu no dia 13 de Março de 1928. Fez a 4ª, foi para Espanha, foi para França, foi para a África do Sul. Voltou.
A Carminha foi sozinha com os dois filhos pequenos ter com ele a França, de autocarro, de comboio, a pé. Não falavam francês, não falavam espanhol, não falavam inglês, não havia net, não haviam livros, não havia informação. Havia…Aí como é que aquilo se chama?
Miséria.
A minha avó teve tantas maleitas que eram de perder a conta. De perder a conta porque ela nunca mas contou. Fez muitas operações mas também nunca as contou. Tive-os desde os 15 anos. Pensei muitas vezes: hoje vou parar no 1º Direito porque qualquer dia os meus avós já cá não estão. Demorei ainda 20 anos até ter razão. Sou um felizardo.
A minha avó morreu de cancro. Mas antes, pensei uma, duas, três. Dez vezes. Desta é que ela não se safa…Mas safava-se.
Quando eu ficar boa…dizia sorrindo na cama. E ficava.
Depois de a ver entubada pensei: “é desta”. Engasguei-me com lágrimas no corredor do hospital. Dias depois, ela via entusiasmada as fotografias da nossa Madalena. Queres ver que ainda não é desta? E depois morreu.
O meu avô não teve tanta sorte. Morreu-lhe lentamente primeiro a fala, depois o apetite, a mente, a autonomia, o movimento. A humanidade. E só depois de tudo isto ter morrido, é que morreu. Sem dignidade. Sem justiça para alguém de tão grandes feitos. Quais? Aqueles que são importantes para ser um Homem.
Tu e a avó são exemplos para mim. Disse-te enquanto ainda me compreendias. Tive de o repetir. Acenaste com a cabeça, levantaste o polegar e sorriste. Foi a última vez que te vi sorrir. Foi a minha despedida antes da tua longa despedida.
Não chorei quando partiste. Chorei no dia em que te vi com a cara deformada a lutar para empurrar a língua para dentro da boca enquanto me tentavas dizer algo que a tua voz já não dizia, e que nem sei se queria realmente dizer alguma coisa. Mas não chorei quando te vi, não chorei quando parti, não chorei enquanto o meu cérebro treinado, disciplinado, racional não deixou.
Acordei a meio da noite com o sal a raspar-me a garganta. Mas não o sal do mar. O mesmo sal que mancha agora esta folha. Mas não manchará as teclas que vou ter de arranjar coragem de usar.
Porque eu vos devo esta homenagem.
Para vos deixar partir…
Até sempre.
Olá Daniel
Tenho visto e lido muito poucas coisas no Facebook. Acho que é um espaço em que a maioria das pessoas não o sabem aproveitar, perdendo o seu tempo em jogos e palermices vazias.
Agora, tive a curiosidade de ler o teu texto e acho-o duma grandeza tamanha e de grandissimo carácter. Demonstra a enormidade dos teus sentimentos. Simplesmente adorei quer a forma quer o conteudo do que acabo de ler.
Apenas tenho para te dizer que tenho muito orgulho no genro que tenho.
Um Abração
Reblogged this on Ajo logo existo: não há mudança sem acção and commented:
Hoje relembro-vos.
Todos os dias esforço-me por vos honrar.
Para que não tenhamos que passar pelo que passaram.
Para que os esforços das vossas vidas não tenham sido em vão.
Honro-vos.
Espero.