Porquê
Já deixei algumas palavras por dizer. Mas algumas por serem tão importantes têm de ser escritas.
Uma das pessoas que eu mais admiro e estimo vai passar por uma provação que não merece.
Porquê?
Com tanta gente que anda nesta vida por ver os outros andarem.
Porquê?
s’Ele existe porque te escolheu a ti?
Sexta 24, um SMS e todas as minhas preocupações tornaram-se insignificantes. As duas semanas de flatada durante as férias, a minha constante ansiedade injustificada, as minhas dores no ombro direito, o desgaste da rotina paraíso de mar; inferno de ruído, a amigdalite da mais velha, a mais nova comer do chão.
E todas ganharam novamente a maior importância por serem a Vida.
“A idade média ao diagnóstico situa-se entre os 65 e os 70 anos.”
Ainda te faltam 30 anos.
“É mais comum em negros.”
Só se fores imbondeiro.
Mieloma múltiplo.
“Ai o que estes gajos inventam para não trabalhar” – imaginei-te a gracejar em resposta ao diagnóstico do médico.
Q’Azar do caralho – só consigo pensar.
Eu que não tenho a tua vocação para a comida inventei uma receita para o jantar. Para parar de pensar: Sei Lá.
Abri a primeira garrafa que agarrei e era Branco do Avô escrito à mão. Sorri por dentro e o primeiro gole soube-me a Vida.
“Ele não vai morrer, pois não?”. Perguntou-me ela com a sua característica perspicácia e desespero nos olhos em resposta imediata ao nosso “Ele está doente.” e preocupação grave estampada nos rostos. Toda a gente morre por isso é que temos que aproveitar a bênção da vida em cada dia – não tive a insensibilidade inoportuna de lhe responder.
“Não. Ele vai fazer um tratamento”. Respondemos-lhe.
E ela com 8 anos nada mais perguntou.
Mas conhecer pela primeira vez o desespero na face da minha princesa angustiou-me um sufoco.
Já se foi meia garrafa sozinho. Quem bebe meia, bebe uma. Fecho os olhos e sinto as olheiras como depósitos a encherem-se de sal.
Eu penso n’Ela todos os dias e quando chegar a minha Hora estarei grato pela vida perfeita que todos temos até lá. Sinto o seu braço frio sempre sobre o meu ombro (não o que me dói, o outro) e eu abraço-a também sem medo nem rancor. “É a vida” – lembro-me da minha avó dizer após vencê-La mais uma vez.
Mas o mais ténue vislumbre d’A dos meus queridos deixa-me aterrorizado. Abraço-as, beijo-as como se fosse a última vez, como se fosse comigo e deito-me a pensar em ti.
Se amanhã estas palavras ainda fizerem sentido escrevo-as.
São 5:30 da manhã. Acordo sozinho. O efeito do Branco do Avô já passou. O aperto no peito ficou.
Porquê?
Porque são os mais fortes os escolhidos para vencerem as mais duras batalhas.
Fica combinada uma mini antes, durante e depois.
Até termos 80.
Escrevo-as.
Não sei quem é, mas imagino que estejam todos a sofrer. Um grande abraço para ele.
Um abraço forte amigo. Uma (ou várias) antes, durante e muitas mais após! Minis ou vinho, o que interessa é o “tchim”…o som da NOSSA VIDA!